domingo, 29 de dezembro de 2013

A Deusa do Espaço e do Tempo

Havia no ar uma combinação de odores: suor, perfume, vinho e aromatizador de ambientes. O dourado que atravessava a janela refletia sobre a pele clara. Uma audaz gota de suor se deixa levar pela gravidade, passa perto do seio. Faz calor no mundo lá fora; faz mais calor no universo fechado que ocupam.

O ambiente é agradável. De bom gosto, caso seja necessário qualificar melhor. Sem que uma frase seja perdida, mais dois copos aparecem entre eles. Nenhum interrogatório. Nenhum monólogo chato, nenhum silêncio constrangedor. Uma conversa como aquelas que parecem acontecer apenas em filmes, cuidadosamente lapidada por um roteirista para parecer espontânea, porém perfeita demais para assim ser.

Ele seca a gota de suor. Ela responde ao toque. Beijam-se novamente. Aproximam-se novamente. Tomam-se novamente.

Não há mais mesa entre eles, desde que ela aproximou sua cadeira, para mostrar-lhe umas fotos no celular. Fotos de que, não importa. A área climatizada, que os protege da elevada temperatura do verão porto-alegrense, não o impede de suar. Ainda há vinho nos copos. Ela toma um gole. Inclina-se e coloca o copo de volta sobre a mesa. Seu belo decote passeia em frente aos olhos dele.

Sorridentes os dois, como adolescentes, para os quais amanhã é um conceito tão abstrato quanto uma divindade qualquer. Ele a aperta forte. Sente os seios dela contra seu peito.

O nome dela é Mariana. Gaúcha do interior, mora em Brasília, trabalha em um Ministério. Estava em Porto Alegre a serviço, hospedada no mesmo hotel que ele. Haviam se conhecido na piscina, no primeiro dia dele na cidade, antes da reunião com o arquiteto Caio. Quando voltou da janta no restaurante tailandês, recebeu o recado dela propondo um drink, “horário de verão, ainda é dia, praticamente”. Aceitou. Ela volta do banheiro parecendo ainda mais bonita. Aproxima-se dele, mas não volta a sua cadeira; inclina-se e o beija na boca.

Entre sorrisos e carinhos, ele diz que precisa ir ao banheiro. “Tá, mas volta logo”. No breve intervalo fora de seu tórrido e dourado universo, pensa em Mariana. Não se arrepende. Por melhor que fosse, não teria sido tão bom quanto o que tinha agora. Enquanto seca o rosto, escuta Maria Clara cantando, do quarto, em seu inglês perfeito:

And I don’t know how it gets better than this
You take my hand and drag me head first, fearless
And I don’t know why, but with you I’d dance
In a storm in my best dress, fearless.

Dá um risinho para si mesmo. Lembra-se que, ao contrário dos adolescentes, ele tem consciência do tempo, o que já foi e o que virá. É 29 de dezembro. Os desafios de um ano se foram. Nem sempre se pode escolher que novos desafios o futuro trará, mas às vezes se pode opinar. Abre a porta do banheiro. “Que tal se começarmos a tentar ter filhos?”

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