domingo, 15 de dezembro de 2013

TRECHOS E RESPOSTA

Diante de uma parede com frases, poemas e citações, Victor Eras admirava aquilo que lhe chamou atenção hoje:


Nem achada e nem não vista

nem descrita nem viagem,
há aventuras de partidas
porém nunca acontecidas.


É final da tarde de domingo. Não é mais amanhecer. É o prelúdio da noite. Que não tem significado real. É apenas uma convenção. Não tem nada de poético, não tem a menor emoção. Mas a história humana se encarregou de povoar de pretensas emoções, para consolar os aflitos e maltratar perdidos. O autor do poema intitulado Invenção de Orfeu fez isto bem. Mas sua contribuição para a jornada da minha vida foi esta oitava estrofe. Jorge de Lima - o autor do poema citado - embelezou com rima uma aventura que parece marítima.

Mas não há espaço para rima e beleza neste mundo por muito tempo.

É hora de Victor se informar. E, por menos esperançoso que seja, volta as costas à parede e dirige-se ao computador de mesa. Sem se voltar para a frase ou para a parede, nem mesmo para voltar ao leve delírio sobre poesia, rima e beleza.

Finalmente Caio havia respondido ao e-mail, mas não diretamente ao pedido de encontro. Fez-lhe perguntas sobre as ideias para o projeto, as quais Victor prontamente fez um texto:

Caro Caio, de posse meus parcos conhecimentos na área, resta-me o conhecimento humano e empreendedor. Literário e observador.
Ao contrário de alguns colegas gerentes e editores que correntemente me correspondo tão pronto esteja - espera-se que seja uma indireta suficiente -, coloco-me na posição oposta de não achar que são os livros que chamam o leitor. É a possibilidade de se encontrar neles, nas palavras e no enredo que apraz os indivíduos.
Logicamente quem não tem hábito da leitura precisa de capa, frases prontas e impactantes, layout chamativo e guturais doses de convencimento.
Não é por estes clientes que nossa rede se expande. Isto ocorre devido aos leitores vorazes que se apaixonam pelo atendimento, disposição das prateleiras, encontros de leituras, cafés com possibilidade de leitura de partes dos livros, música em fones, escolhidas, e que podem ir ao encontro das narrativas.
Minha sugestão, então, é que não haja espaço para estantes de um lado da abertura da loja. Apenas um café com uma parede com espaço para uma imagem enorme e um trecho que pode ser mudado por semana. Ou parte da parede tomada por uma tela de alta resolução com cenas e imagens que remetam aos livros. Uma chance de chamamento pelo café, pela estante de leitura disponível e pelos títulos não anunciados, contudo discretamente destacados em frases reflexivas, chocantes ou depressivas. Provavelmente abarcará a maioria dos leitores.
Enquanto nno outro lado da abertura da loja ficaria uma sala com luz direcionada em cada poltrona para "degustação" de livros em um ambiente com música instrumental clássica, quadros nas paredes e um espelho bidirecional, no qual quem está fora vê quem esta dentro, não com clareza suficiente, mas que os alvos, controlados pela luz branca do abajur direcional, sejam os livros.
Imagino que a contemplação de um lugar com leitores sentados confortavelmente e sem acesso ao mundo exterior de observadores transeuntes seja algo não tão corriqueiro e que pode fazer com que o sujeito adentre a Hyper Books!
Não estou ciente do espaço que tens para projetar, contudo não vejo necessidade de uma loja em formato de HB, como no caso da famosa loja do Porto, em Portugal. Se tiveres a possibilidade de um andar superior, como imagino que tenhas, os suportes das mesas, em geral transparentes, sugiro eu, seja no formato H e a próxima B. Assim quem esta no térreo da loja, ao olhar para cima, veja as mesas sequencialmente da esquerda pra direita formando o HB da empresa.

Agora tenho que fingir estar curioso quanto à aceitação da ideia.

O que achas?
Fico à disposição para discutirmos o assunto via Skype se o desejares.
Att.
Victor Eras.


É interessante para Victor admirar o e-mail de resposta. O menos objetivo que ele consegue, cauteloso, mas sem a arrogância de ter pesquisado por uma hora e trinta e dois minutos o assunto até achar a impressão de disposição espacial que poderia favorecer a entrada de clientes: chamar atenção para a ação de ler, não para o fim do empreendimento que é a venda. Não é o livro que chama a atenção das pessoas. É a história dos outros. A história de si. Momentos que se entrelaçam e parecem conformar uma única unidade. Como sugeriu ainda Jorge de Lima, antes do trecho citado em sua parede do escritório:

Nobre apenas de memórias,

vai lembrando de seus dias,
dias que são as histórias,
histórias que são porfias
de passados e futuros,
naufrágios e outros apuros,
descobertas e alegrias.


O leitor quer afundar com o autor e emergir com ele. Nem sempre feliz. Mas geralmente vivo. E insuportavelmente apaixonado pela vida e pela beleza que aprendeu a ver no mundo, não na única beleza que importa. A beleza da sobrevivência.

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