O escritório anda silencioso, boa
parte dos estagiários está mais concentrada no final do semestre em seus cursos
do que nos projetos que por essa época ou já foram concluídos ou estão em stand by. Caio rabisca layouts, consulta
na memória as livrarias que mais lhe agradaram, tenta imaginar uma que
satisfizesse leitores com diferentes perfis e que se afaste do clima que
encontrou na sede da rede em Londres. Odiou aquele lugar. Como contraponto, lembrou del Ateneo, em Buenos Ayres, mas aquele era um espaço irreproduzível e totalmente na contramão da proposta de uma megastore multinacional.
Sobre a grande mesa com tampo de
vidro fosco estão espalhados seus lápis de grafite macio, as folhas tamanho A3
de gramatura 224g/cm2 e os livros com as obras preferidas de Santiago Calatrava e
um volume antigo sobre escadarias, de Pilar Chueca – pensava em utilizar alguma
ideia impactante para unir os dois pavimentos do espaço amplo de pé direito
duplo. Queria ter um esboço para
apresentar ao gerente de logística quando se encontrassem, mais para ter
assunto do que pela expectativa de uma aprovação ou análise crítica. Mas o que
precisava mesmo era ocupar-se com qualquer som ou vista vindos de fora da
própria cabeça. Desenhar ainda era uma boa alternativa de anestesiar sensações
incômodas.
Concluiu quatro esboços de
escadaria, uma, por pura fanfarronice, usava as iniciais da rede como guarda
corpo. Talvez fosse melhor não mostrar aquele desenho. E se o gerente gostasse
da ideia e insistisse na sua aplicação? Melhor descartar.
Os dedos sujos de grafite
deixaram marcas bonitas na porcelana branca da xícara. A bonita mistura de
branco louça e carvão-metálico seria uma boa escolha, não estivesse obrigado a
usar os berrantes amarelo e vermelho. Seria necessário investir em madeira e
luzes suaves para abrandar a gritaria das cores, mas nesse momento Caio se
concentra nos rumores da rua que sobem até sua janela. Não são provenientes do
trânsito ou da movimentação comercial dos arredores, mas de um bate boca de
namorados. Isso ele vê através da vidraça porque tem pudor de escancarar o
postigo e interrompê-los. O casal é jovem e não se importa com a senhora idosa
que passa por eles com ar interrogativo, parecendo querer avisá-los do tempo
que perdem com besteiras.
De volta à mesa de trabalho na
sala predominantemente branca, Caio remexe os e-mails recentes e percebe ter recebido
também o contato de um gerente de RH, parece que de Brasília, mas sente-se
pouco estimulado a ligar. Protelar ainda é um hábito forte.
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