quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Desenhar e fugir


O escritório anda silencioso, boa parte dos estagiários está mais concentrada no final do semestre em seus cursos do que nos projetos que por essa época ou já foram concluídos ou estão em stand by. Caio rabisca layouts, consulta na memória as livrarias que mais lhe agradaram, tenta imaginar uma que satisfizesse leitores com diferentes perfis e que se afaste do clima que encontrou na sede da rede em Londres. Odiou aquele lugar. Como contraponto, lembrou del Ateneo, em Buenos Ayres, mas aquele era um espaço irreproduzível e totalmente na contramão da proposta de uma megastore multinacional.

Sobre a grande mesa com tampo de vidro fosco estão espalhados seus lápis de grafite macio, as folhas tamanho A3 de gramatura 224g/cm2 e os livros com as obras preferidas de Santiago Calatrava e um volume antigo sobre escadarias, de Pilar Chueca – pensava em utilizar alguma ideia impactante para unir os dois pavimentos do espaço amplo de pé direito duplo.  Queria ter um esboço para apresentar ao gerente de logística quando se encontrassem, mais para ter assunto do que pela expectativa de uma aprovação ou análise crítica. Mas o que precisava mesmo era ocupar-se com qualquer som ou vista vindos de fora da própria cabeça. Desenhar ainda era uma boa alternativa de anestesiar sensações incômodas.
Concluiu quatro esboços de escadaria, uma, por pura fanfarronice, usava as iniciais da rede como guarda corpo. Talvez fosse melhor não mostrar aquele desenho. E se o gerente gostasse da ideia e insistisse na sua aplicação? Melhor descartar.
Os dedos sujos de grafite deixaram marcas bonitas na porcelana branca da xícara. A bonita mistura de branco louça e carvão-metálico seria uma boa escolha, não estivesse obrigado a usar os berrantes amarelo e vermelho. Seria necessário investir em madeira e luzes suaves para abrandar a gritaria das cores, mas nesse momento Caio se concentra nos rumores da rua que sobem até sua janela. Não são provenientes do trânsito ou da movimentação comercial dos arredores, mas de um bate boca de namorados. Isso ele vê através da vidraça porque tem pudor de escancarar o postigo e interrompê-los. O casal é jovem e não se importa com a senhora idosa que passa por eles com ar interrogativo, parecendo querer avisá-los do tempo que perdem com besteiras.
De volta à mesa de trabalho na sala predominantemente branca, Caio remexe os e-mails recentes e percebe ter recebido também o contato de um gerente de RH, parece que de Brasília, mas sente-se pouco estimulado a ligar. Protelar ainda é um hábito forte.  

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