terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Um fim, dentre tantos

É um dos vários mecanismos internos do ser humano dividir e categorizar. Precisamos disso para nos orientarmos em um universo que compreendemos tanto quanto uma criança compreende testes de carbono-14. Nas lojas da Hyper Books no sul da Ásia, não se comemora ano novo hoje. Em breve eles farão seus próprios desfiles, com seus dragões, cobras ou macacos, qualquer que seja o animal símbolo do novo ciclo. Nós, os descendentes de Roma, continuamos obedecendo a Caio Júlio César.

Alguns comemorarão a data com suas famílias; alguns irão a festas com os amigos; muitos se acumularão em pontos estratégicos – da Harbour Bridge em Sydney à praia de Copacabana no Rio de Janeiro – para assistir a festivais pirotécnicos. Alguns fugirão das multidões, talvez sozinhos, talvez com namorados(as), talvez de longa data, talvez de relacionamentos recém iniciados. Cacá não sabe, mas Victor Eras, gerente de RH da Hyper Books em Brasília, está disposto a assumir um relacionamento até então oculto, e José Maria está feliz da vida com o início de seu namoro com Daniela.

O que Cacá sabe é que estará com seus pais, alguns outros familiares e sua esposa, Maria Clara. Passaram a noite de Natal com a família dela, agora a situação se inverteria. Não usariam branco; nenhum dos dois era supersticioso. Sem dúvida haveria lentinhas, o que era bom porque Cacá as adora. No dia 2, estaria de volta ao trabalho – embora até pudesse trabalhar de casa, vantagens de ser chefe, preferia passar pelo escritório, pelo menos por meio turno, para se certificar de que o período de festas havia corrido bem, que não havia nenhuma necessidade de aquisição e distribuição emergencial. Algumas trocas já haviam sido solicitadas, mas nada que representasse problema. Projetava que a situação permaneceria. Trocas de presentes constituíam um desafio pequeno frente a abastecer lojas para o Natal.

Tiraria férias no fim de fevereiro, para emendar com o Carnaval. A Europa era o destino mais provável. Esperava que a viagem contribuísse para seu principal plano para 2014.

Se você estiver lendo isso ainda em 31 de dezembro, é provável que seja da turma que não comemora a virada do ano (ou pelo menos não sai de casa para isso). Imagine que Cacá, sua esposa e seus familiares estão agora já reunidos no amplo apartamento onde moram os pais dele. Há lombinho de porco, castanhas, refrigerante, cerveja... As lentinhas ainda não estão prontas. A espumante está gelada, pronta para o brinde. Todos estão felizes. Por mais arbitrário que possa parecer celebrar a decisão de um ditador romano em 46 a.C., em algum momento é necessário parar a fazer o inventário do período recente, e projetar o seguinte. Que seja hoje, então. A Hyper Books está fechada. Ela voltará a operar, e talvez vocês saibam mais sobre ela, ou talvez não. De qualquer forma, esperamos que sua presença tenha sido agradável. Esperamos que tenham encontrado o que procuravam.


E desejamos a todos um Feliz Ano Novo. Foi um prazer.

Planos finalizados e novos projetos

Eles chegavam de mãos dadas em direção à esteira para apanhar as bagagens mínimas que haviam levado na viagem. Inara e Victor estavam publicamente juntos pela primeira vez. Provavelmente isto se estenderia durante a volta a Hyper Books. A mão esquerda dele segurando a mão direita dela. Ele geralmente mais apressado em deixar a multidão, ela olhando para o aeroporto que parecia dividido em dois por algo que mulheres poderiam imaginar como um cinto. A visão era clara quando a aeronave iria pousando. Ele cedeu o lugar a ela na janela porque obviamente ele havia divisado ao longe a construção e memorizado para descrições futuras a quem lhe perguntasse.

Assim que as bagagens foram apanhadas e as mãos separadas ela olhou languidamente para ele que compreendeu e tomou de suas mãos a bagagem, assumindo o carro de transporte até a saída em busca de um táxi que os levasse ao centro de Rio Branco/AC, aproximadamente 18km. O que lhes custaria uma pequena fortuna, dado que ele preferia alugar um carro, mas ela sugeriu aproveitarem a paisagem e a baixa incidência de crimes para “curtir a arquitetura local”. Ela também fez uma pesquisa sobre a cidade. Finalmente uma mulher que não deixa tudo nas minhas mãos e toma alguma iniciativa. Pena que seja facialmente tão expressiva e simples de analisar. Contudo ela também sabia não expressar, quando se esforçava o suficiente e Victor imaginava isto, como na entrevista entre ela e Claudio. Ela esta apreensiva, mas se forçou a não demonstrar.

Na manhã da segunda-feira ele a convidou para fazerem a viagem. Ela tentou esconder a surpresa, contudo não teve êxito, dado que ela sentiu o rosto ficar quente e ele deu um leve sorriso com o canto esquerdo da boca. Terei de desmarcar tudo e explicar aos meus familiares a escolha do local e a companhia. Mas irei. Eu gosto dele e ele gosta de mim. Por mais que finja ou disfarce bem, seja lá como ele chame naqueles termos que, em geral, são técnicos. Ele é estudioso do comportamento humano, então deve saber o que faz com os outros, mas não sabe o que faz consigo mesmo. Nisto eu posso ajudar.

Entraram num táxi que era o próximo da fila. Ele a deixou entrar primeiro e sentou-se ao seu lado no banco traseiro. Contudo ele odiava sentar no banco traseiro. Não dava ideia da forma que o motorista dirigia, o quanto pressionava o freio e a embreagem. Mas ele estava acompanhado desta vez, e não era com a jovem que namorava há anos atrás. Ele aprendeu a ser adequado socialmente, principalmente com Inara.

Ao olhar para as laterais do aeroporto deixou-se divagar em lembranças do dia anterior. Finalmente meus planos funcionaram. E de uma maneira melhor do que eu imaginava. Lembrou-se da manhã de segunda, quando chamou Claudio, o que havia rejeitado para a vaga de gerente de seção. Sentou-se no meio das prateleiras e lhe ofereceu um cartão de Feliz Ano Novo, com um bônus para o ano novo. Claudio demonstrou dúvida facialmente e iria perguntar, quando Victor informou que ele precisaria ser o novo gerente de seção imediatamente naquela tarde. Disse ainda que ele fez uma avaliação e que pelo desempenho não diminuído depois da entrevista ele entendeu que Claudio era resistente o suficiente e compreensivo para ser o chefe da seção. Ao virar as costas o novo chefe lhe perguntou quanto à Inara.

- “Ela foi convidada a ser gerente comercial da livraria. Não fui eu que a escolhi, foi o responsável nacional” - Deu um leve sorriso com ambos os cantos da boca e saiu. Foi ao encontro do novato que ele selecionou entre os três sujeitos e que possuía uma leve mácula ao andar.

Ao encontrá-lo o jovem, não tão mais jovem que o gerente de R.H., sorriu discretamente e fez sinal para que o aguardasse. Ele atendia um cliente e sugeriu uma série de livros sobre positivismo, coisa que aquele jovem odiava, mas que era do interesse do cliente. Contudo não deixou de indicar, ao final, um livro de críticas a esta postura filosófica. Imaginou que o gerente ouviu tudo e esperou reprovação.

_ “Tu tens evoluído muito. Não tem problema indicar, ao final, um livro de reflexão sobre o tema, ou crítica severa” – fez um pausa e fingiu olhar para os lados – “Aqui esta a carta de aceite do orientador da pós-graduação que te prometi em nosso combinado. Fizeste adequadamente tua parte. Boas festas” – sorriu levemente novamente com ambos os cantos e saiu.

Ele tinha oferecido a carta de seu próprio orientador da pós-graduação caso o sujeito recomendasse Inara ao representante nacional que passou na manhã da terça-feira passada, quando Victor estava ocupado deixando as coisas em dia e preparando a “dinâmica” das folgas sorteadas pelo amigo secreto às avessas deles. O representante quis conversar com alguns funcionários e Victor, já prevendo isto, preparou o jovem para isto. Claro que ele aceitaria. Aquela entrevista com o gerente foi a quarta na mesma semana. Ele tinha uma dívida. Deveria pagá-la. E Victor sabia disto ainda mais. Ninguém poderia desconfiar da conversa e dos trâmites. O jovem era discreto e cumpridor da palavra, Victor passou a semana passada conversando com funcionários entre as prateleiras, incluindo Inara, com conversas que não levariam ao riso, para parecer mais profissional caso alguém imaginasse algo.

Sentiu uma pressão em sua mão esquerda de leve. Olhou para dentro do táxi e viu a entrada da cidade. Discreta e tranquila, perto da entrada de Brasília. Lembrou-se do toque e olhou para a mão esquerda que segurava a de Inara. Olhou para os olhos dela, sorriu com um canto da boca e foi agraciado com um beijo no rosto, próximo a boca.

Ele teria um bom final de ano. Longe da praia. Longe de conhecidos. Apenas com a mulher que escolheu e que aceitou deixar dramas de família e crendices para se juntar a ele nesta cidade que nenhum dos dois tinha pisado antes. Enfim, ele teria um ano diferente e uma mulher para planejar o futuro novamente.

Quem é quem na HyperBooks

365º dia de 2013 :)


Boa madrugada!

O Porto ultimamente anda triste ao contrário de Porto Alegre. E não é só por causa de algumas últimas exibições cinzentas da equipa principal de futebol. É também por causa do tempo onde o vento e chuva são reis neste final de ano. Por exemplo, uma casa de um amigo meu na véspera de Natal ficou destruída por causa da queda de uma árvore. Felizmente não houve vítimas. Mas o Natal ficou triste para ele apesar de ter sido comemorado na casa de uns tios. É o fado de cada um!
Em relação ao meu fado para 2014, os meus três desejos são de continuar a trabalhar na Hyper Books, ser promovido e continuar a namorar com a Daniela.
Em relação a 2013 é recordar com saudade porque foi um ano muito bom. Licencie-me em Línguas, Literaturas e Culturas na FLUP, consegui arranjar trabalho na Hyper Books, conquistei a Daniela, entre outros pequenos ganhos pessoais. Todos os dias ganhamos alguma coisa!
Esta é a minha última publicação e quero agradecer a todos os colegas, clientes e leitores. Espero que tenham ficado com uma pequena noção do imenso trabalho que temos na Hyper Books do Porto. Por exemplo, apesar de ser a esta hora madrugada, eu estou a trabalhar na Hyper Books do Porto. Normalmente de madrugada, nós arrumamos os livros, que os clientes deixam espalhados, no sítio correto e repomos o stock.
Uma palavra sobre Hyper Books!? Brutal! Recomendo que visitem esta loja.
Peço desculpa por hoje a minha publicação ser curta mas eu estou extremamente cansado e está a custar-me imenso pensar. Prefiro trabalhar durante o dia!
Desejo a todos que os próximos capítulos da história da vossa que irão se passar em 2014 sejam com vocês como heróis e com finais felizes. Quem corre por gosto não cansa!

Até já e abreijos,
José Maria

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Novos projetos



O calor persiste o bastante para que Caio contrarie seus hábitos - o que tem acontecido com frequencia crescente nos últimos tempos - e consuma praticamente todo o final de semana dentro do apartamento com o ar condicionado esforçando-se para simular uma temperatura tolerável. No domingo ainda acordou cedo na expectativa de poder pedalar pelas ruas do bairro antes que o sol devorasse o asfalto e os paralelepípedos deixando um bafo queimante no ar, mas as oito da manhã o calor já o empurrava de volta ao isolamento térmico. 
Aproveitou para trabalhar em casa e hoje cedo estava com a parte criativa do trabalho concluída. Na quinta-feira a equipe bem preparada do escritório começaria a preparar as plantas em 3D, os cortes e vistas necessários para a execução. Nessa fase o seu envolvimento era menor, apenas na execução voltaria a exercitar seu olhar clínico para detectar desvios. Depois haveria a visita do moço de Londres e então algo completamente diferente. Por hoje, no entanto, isso não tinha muito importância. Apesar da  usual indiferença com datas como natal e ano novo, dessa vez estava decidido a algum tipo de ritual que o empurrasse na direção das mudanças que esperava, mesmo sem saber exatamente quais seriam. 
Não pensava em sete ondinhas na praia, lentilhas ou oferendas à Iemanjá, mas a ideia de aproximar-se da água pareceu-lhe apropriada. 
Passear de barco pelo Guaíba foi o ritual particular de Caio, não no último dia do ano, mas no penúltimo. Não sozinho, como desejaria, mas num dos barcos abarrotados de gaúchos ufanistas que glorificam a paisagem da capital vista desde o Lago. 
Não repetiu mantras, nenhuma oração, nenhum pensamento objetivo. Deixou-se levar, gostando do farfalhar da água contra o casco da embarcação, contente com a convicção de que era apenas mais uma segunda-feira como qualquer outra e ao mesmo tempo a última segunda-feira em que ainda se mantinha preso àquela etapa da vida. Na próxima semana estaria no Rio de Janeiro e na próximo em um lugar ainda não decidido. Por um ano inteiro Caio voltaria a viver sem planos, sem premeditação. Levaria material de desenho e a satisfação de caminhar, além da renda que o escritório continuaria propiciando, certamente em menor proporção que agora, mas em suficiente medida para que não deixasse os dias soterrarem-no pela repetição. Desembarcou desejando que logo os projetos de saneamento pudessem amenizar a contaminação do Guaíba. 

domingo, 29 de dezembro de 2013

A Deusa do Espaço e do Tempo

Havia no ar uma combinação de odores: suor, perfume, vinho e aromatizador de ambientes. O dourado que atravessava a janela refletia sobre a pele clara. Uma audaz gota de suor se deixa levar pela gravidade, passa perto do seio. Faz calor no mundo lá fora; faz mais calor no universo fechado que ocupam.

O ambiente é agradável. De bom gosto, caso seja necessário qualificar melhor. Sem que uma frase seja perdida, mais dois copos aparecem entre eles. Nenhum interrogatório. Nenhum monólogo chato, nenhum silêncio constrangedor. Uma conversa como aquelas que parecem acontecer apenas em filmes, cuidadosamente lapidada por um roteirista para parecer espontânea, porém perfeita demais para assim ser.

Ele seca a gota de suor. Ela responde ao toque. Beijam-se novamente. Aproximam-se novamente. Tomam-se novamente.

Não há mais mesa entre eles, desde que ela aproximou sua cadeira, para mostrar-lhe umas fotos no celular. Fotos de que, não importa. A área climatizada, que os protege da elevada temperatura do verão porto-alegrense, não o impede de suar. Ainda há vinho nos copos. Ela toma um gole. Inclina-se e coloca o copo de volta sobre a mesa. Seu belo decote passeia em frente aos olhos dele.

Sorridentes os dois, como adolescentes, para os quais amanhã é um conceito tão abstrato quanto uma divindade qualquer. Ele a aperta forte. Sente os seios dela contra seu peito.

O nome dela é Mariana. Gaúcha do interior, mora em Brasília, trabalha em um Ministério. Estava em Porto Alegre a serviço, hospedada no mesmo hotel que ele. Haviam se conhecido na piscina, no primeiro dia dele na cidade, antes da reunião com o arquiteto Caio. Quando voltou da janta no restaurante tailandês, recebeu o recado dela propondo um drink, “horário de verão, ainda é dia, praticamente”. Aceitou. Ela volta do banheiro parecendo ainda mais bonita. Aproxima-se dele, mas não volta a sua cadeira; inclina-se e o beija na boca.

Entre sorrisos e carinhos, ele diz que precisa ir ao banheiro. “Tá, mas volta logo”. No breve intervalo fora de seu tórrido e dourado universo, pensa em Mariana. Não se arrepende. Por melhor que fosse, não teria sido tão bom quanto o que tinha agora. Enquanto seca o rosto, escuta Maria Clara cantando, do quarto, em seu inglês perfeito:

And I don’t know how it gets better than this
You take my hand and drag me head first, fearless
And I don’t know why, but with you I’d dance
In a storm in my best dress, fearless.

Dá um risinho para si mesmo. Lembra-se que, ao contrário dos adolescentes, ele tem consciência do tempo, o que já foi e o que virá. É 29 de dezembro. Os desafios de um ano se foram. Nem sempre se pode escolher que novos desafios o futuro trará, mas às vezes se pode opinar. Abre a porta do banheiro. “Que tal se começarmos a tentar ter filhos?”

Dos parques e da vida

É interessante como, em meio a toda confusão cinza de Brasília exista um lugar tranquilo, durante a semana, como o Parque Rural. Victor pensava e admirava a paisagem. Hábito que ele pensava ser de prioridade idosa, mas havia aprendido a observar mudanças e diferenças nos padrões. Como em quase tudo, ele se orgulhava disto.

Apesar do Parque não conter árvores como nos Bosques de Belém do Pará - recorrente lugar na sua adolescência – o aspecto único com uma leve brisa menos árida que o restante da cidade fazia Victor refletir.

Ele conseguia se concentrar, sem fechar os olhos, sentado e ouvindo insetos, farfalhar das folhas, crianças gargalhando, e um pouco mais distante o burburinho humano próximo à água. Quando se concentrava mais ainda, podia sentir sua pulsação, o vento tocando seu rosto de leve. Eu faço parte do ambiente e para alguém eu também sou o ambiente. Depende de ponto de vista.

Com seu cruzar de pernas habitual, um livro na mão e uma face séria constantemente verificada pelo seu exercício de auto-percepção, Victor olhava curioso para as pessoas. Sério. Odiava pessoas que pareciam descomprometidas com tudo. Olhares cansados o chateavam muito. Como em clientes esperando vendedores. Ensinou várias vezes seus empregados a identificar o início disto. Pois quando a feição aparece, já não há muito o que fazer. O importante era identificar o início. O bater dos dedos nas prateleiras, o trocar de apoio ora num pé ora em outro, o início do franzir do cenho. Mas no parque não era assim. Aparentemente um contrato social implícito lembrava as pessoas que ali era um lugar de fornecimento de alegria e descontração.

Fazia dois meses que ele não ia a este parque. Sempre ocupado ele se desligou das tentativas de escrita no sábado apenas verificando as malas e separando o que pretendia levar para o lugar nunca antes visitado. Ele tinha decidido na manhã de ontem. Ao escovar os dentes para ir a Hyper Books. Ele se viu pensava em desistir da viagem à Europa.
-
      "Pai, pai, ela mexeu comigo. Briga com ela?”

Uma criança disse ao longe e instantaneamente chamou atenção de Victor. Pai. Fazia tempo que ele não falava com o seu. Tempo em demasia. O pai dele admitia estes distanciamentos ocasionais, principalmente sabendo que o final de ano do filho é corrido como gerente, e de uma livraria multinacional. Seu pai dizia sentir orgulho, ainda mais ao saber das histórias dos livros que ele contava e indicava ao pai quando se falavam por telefone. Seu pai mora em Porto Alegre. Que também tem parques excelentes, e o clima é muito melhor. Mas árvore e parque já servem o suficiente para reflexões. Lembranças do pai lhe vinham a partir da fala da pequena criança e não havia mais zumbido, batidas cardíacas ou farfalhar. Eram memórias. E só.

Era um domingo produtivo, do ponto de vista de um treino para autocontrole. Mas Victor ainda se sentia vazio, como se precisasse ler muito mais, observar muito mais para poder compreender o mundo. E provavelmente era isto. Ele nunca estava satisfeito consigo mesmo a ponto de parar de se atualizar, ler ou observar. Os parques eram fundamentais em sua vida. E a Hyper Books a pedra de fundação. Lá ele poderia observar a rotina, controlar a rotina e modelar as pessoas, ou pelo menos suas ações. Ou parte delas. A livraria era seu laboratório diário. Os parques eram quadros, ele não poderia interferir, mas o levavam a outra dimensão.


O domingo foi se acabando. O entardecer alaranjado e seco, além de quente, fez com que ele se desse conta do quanto havia ficado ali refletindo e ouvindo. Parte perdido no ambiente, parte perdido em si. Ou se encontrando, como ele gostava de pensar.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Talvez amizade




O escritório está completamente vazio, em recesso desde a sexta-feira anterior. Somente no dia seis de janeiro o sócio e demais funcionários deveriam começar a aparecer novamente em seus postos, agitando papéis e clicando compulsivamente. Era melhor receber Cacá com o território todo à sua disposição. Embora não fosse o jovem gerente de logística o responsável pela aprovação do projeto, a partir de suas impressões seria possível finalizar o anteprojeto e partir para as próximas etapas. Não era a pressa ou a ambição que o guiavam, mas a necessidade de cumprir aquele compromisso para, então, dar os próximos passos fora da arquitetura, talvez fora de Porto Alegre. Tomado como estava pela determinação um tanto vaga de buscar um silêncio ideal, vinha gastando boa porção do dia a caminhar ou pedalar pensando nas possibilidades de sobrevivência que tinha à disposição. É sempre mais fácil pensar em desapego e revolução dos hábitos quando a conta bancária permite tempo suficiente com a despensa cheia, o guarda-roupa em ordem, os tributos quitados e ninguém esperando por justificativas sobre o desejo de partir. 


Depois de organizar a mesa de reuniões com os desenhos, as plantas e as amostras de materiais que estavam previstos, sobravam ainda umas duas horas até que Cacá chegasse com seu aparente entusiasmo e provável suor - o calor fazia as ruas de Porto Alegre fritarem desde o dia do Natal. Música era a companhia mais apropriada e exerceu influência positiva sobre o ânimo de Caio, que se concentrou na bela imagem suscitada pela letra do samba:

Além do arco -íris mais livre descalça
A vida é uma valsa falando de amor
E o próprio arco - íris a gente até acha

Que dorme na caixa de lápis de cor 

Pensou no convite da amiga Renata para passar uns dias no Rio, repetiu a música no player e quando a campanhia tocou, estava consultando sites de companhias aéreas. 

Cacá pareceu gostar das propostas do arquiteto, aprovou o layout e não parecia com ânimo de acrescentar maiores propostas. Concluíram a reunião a meio da tarde e combinaram de jantar juntos. 


O jantar com o gerente de logística foi o mais leve dos compromissos de trabalho de que Caio poderia se lembrar. Escolhera o tailandês para agradar o próprio paladar, mas acabou fazendo também a alegria de Cacá. O arquiteto perguntou sobre a carreira do gerente na HyperBooks, confessou não ter visitado muitas vezes a loja já existente em Porto Alegre porque preferia uma concorrente e os sebos do centro, mas prometeu dedicação total ao projeto da nova loja. 


Cacá não levou a mal a confissão e relatou com orgulho seu crescimento na rede de livrarias e o abandono do curso de Direito. Não falou de Maria Clara, nem dos planos para o final do ano. Falaram de gosto musical e de livros. A diferença de idade não foi um barreira. Caio tinha disposição e curiosidade para conhecer novas bandas e Cacá curtia músicas de outras décadas - over my shoulders foi um ponto em comum. Quando chegou em casa, abriu as portas da varanda e ligou o som sem grandes preocupações com o volume. De toda sorte, havia pouca gente no prédio por conta do feriadão. 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Punição?

Do ponto de vista de um paulistano, Porto Alegre poderia ser o próprio inferno, tão quente está. Isso, somado à sobrecarga de atividades recentes, às obrigações natalinas (não as considerava exatamente obrigações, já que gostava do processo, mas elas tomavam tempo e requeriam atenção) e ao fato de ter chegado hoje mesmo à capital gaúcha o fez levar a reunião com o gerente da loja já existente na base do improviso. Passará o resto da tarde na piscina do hotel. Amanhã, quando encontrar com o arquiteto, estará mais bem preparado.

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Bálsamo do Feriado

Já era dia. Victor olhou para a Televisão e a viu mostrar o menu principal do DVD de Maria Bethânia - Carta de Amor aparecer na tela e uma doce melodia tocar. Ainda sem foco visual ele olhou a o relógio em seu pulso esquerdo. 7h13. Ele havia dormido no sofá e, milagrosamente, não quebrou o copo de uísque 12 anos que abriu com intuito de ver o DVD. Normalmente ele apenas ouviria o CD e ficaria lendo um livro. Mas seu dia 24 foi cansativo o suficiente. Ainda mais com aquele drama dos presentes de natal entre os funcionários que ganharam cada um uma folga num dia escolhido de acordo com o amigo-secreto. E o próximo amigo poderia roubar a data do amigo anterior. Isto em meio à entrega de presentes e abraços. Tudo bem humano, dramático e não muito verdadeiro, provavelmente.

Chegou em casa depois de averiguar a limpeza e adequação das tarefas para o dia 26. 23h30. Recusou oito convites de colegas de trabalho, de familiares e amigos de faculdade para passar em suas casas. A solidão era um bálsamo para o jovem Werther de Goethe e pode sê-lo para mim também.

Deu-se o dia de folga para beber tranquilamente. Mas começou se embriagando e ouvindo Bethânia. Mas ele estava sozinho, poderia ser ele mesmo, menos rígido e mais sorridente. Lembra-se de ler inúmeras mensagens natalinas de desejos de "feliz natal" como se isto significasse uma enorme mudança no mundo. Ria a cada mensagem pensando o quão piegas eram colegas, amigos e familiares que enviavam mensagem ou ligavam - e ele não atendia - para não mudar em nada a vida dele, não demonstrar nada além da habitual e cultural obscenidade de amenidades natalinas.

Hoje não preciso me concentrar como normalmente. Não trabalharei e tudo esta tremendamente organizado na Hyper Books, como geralmente esta. Então posso me deliciar com uma escrita adequada e uma ópera. Vou começar a reler os Irmãos Karamázov, de Dostoiévski. É interessante notar irmãos tão distintos, com propósitos tão próximos se comportando de maneira tão discordante. É uma alegoria do mundo que vivemos, geralmente as pessoas não sabem os motivos de suas ações e nem quais são suas ações, mas parecem irremediavelmente voltadas para satisfazer a seus desejos e mistérios.

Tomou banho depois de separar o livro e a ópera de Oberon de von Weber.

Seria um dia tranquilo, solitário e informativo. Como a maioria dos dias o era. Só que com risos intermitentes das cobranças de seus familiares, colegas e amigos para almoço de natal.

Victor riu sozinho se dirigindo ao banheiro e imaginou quantos receberia e quantos telefonemas teria de atender para convencer de que a solidão era uma companheira mais adequada que muitos humanos. Mas eles nunca entenderão, melhor dizer que me embriaguei - o que é verdade - e estou de ressaca, o que não é mentira. Apenas uma distorção ligeira. Em breve sentirei dor de cabeça e sede terrível.

Feliz dia de trabalho! :)



Boa tarde!

Hoje, de manha, a loja esteve encerrada. Só abriu ás 14h e cada turno só tinha uma duração de quatro horas. Foi a prenda de Natal do gerente! Por isso, deu para dormir mais um bocadinho porque a noite de Natal foi longa. E ainda consegui almoçar o cabrito com a minha família ao meio dia.
Depois, fui trabalhar apesar de a vontade não ser muita. E que dia terrível! Depois da azáfama das últimas semanas dos presentes de Natal agora há azáfama para trocar os presentes de Natal e gastarem os cheque-prenda, que na minha opinião, é a pior prenda que se pode dar a uma pessoa porque não tem aquela personalização que existe noutras prendas. Mas, no meio desta azáfama, na Hyper Books do Porto deu para comemorar o Natal.
Todos tivemos que levar uma prenda até um valor de 5€. Estas prendas foram numeradas e colocadas no chão junto dos nossos cacifes. No final do turno, cada pessoa tirava um número de um saco preto que estava a ser supervisionado por um dos nossos chefes. A mim saiu o número 69 e era um caderno A5 de linhas que só estava escrito “Era uma vez…” na primeira linha. A Daniela teve em sorte o número 13 e recebeu de presente um maldito cheque-prenda de 5€ para gastar na nossa loja. Mas, uma vez mais, o Vítor decidiu fazer das suas. Foi o presente mais fácil de ser identificado de quem era. Ele ofereceu um baralho de cartas de mulher nuas que, em sorte ou em azar, foi entregue a chefe Margarida. Vocês deviam ter visto a reação da chefe ao desembrulhar aquele presente. O Vítor andou desaparecido durante alguns minutos. 
Depois, ainda houve a divulgação do vencedor ou vencedora do concurso de cartas ao Pai Natal. Eu não venci. Venceu a Daniela! Já decidimos que vamos passar um fim de semana romântico em Lisboa em Fevereiro. Que carta tão linda. O presente que a Daniela pediu ao Pai Natal foi para acabar com o racismo. Uma justa homenagem ao Nelson Mandela que faleceu este mês. Até sempre Madiba!
E, no final de cada turno, havia uma mesa composta com doçaria de Natal. Isto serviu para haver confraternização entre a família Hyper Books do Porto. O António é uma pessoa inspiradora. O Vítor é bom conselheiro sobre mulheres. A Daniela é a metade que me completa. Todos os meus chefes são exemplos de liderança e ambição. E estou sempre aprender com os restantes colegas e com os clientes que atendo.
Em relação aos presentes de Natal, que comprei no dia 5 de Dezembro, foi um rato de brincar para o Lince, uma camisola para a minha irmã, uma garrafa de vinho tinto para o meu pai e uma mala para a minha mãe.
Desejo a todos vocês a continuação de um Bom Natal!

Abreijos,
José Maria

terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Um dia comum

Bike Poa - foto do site da EPTC

Ocupar-se de planejar a reunião do dia vinte e sete, com uma recepção amigável ao gerente espirituoso e adepto das aliterações lhe pareceu uma boa ocupação, mas grande parte da organização só seria possível no dia vinte e seis. Assim, tinha dois dias inteiros a sós consigo mesmo, no apartamento bem mobiliado e sem árvore de natal. Era confortável ter dinheiro suficiente para pagar uma ceia pronta - o cheff da moda a entregaria as vinte e uma horas - mas isso deixava o dia completamente livre de obrigações, o que nem sempre é um alívio.

Apesar do calor escaldante Caio decide calçar seus tênis e trocar o ambiente climatizado pela rua.  Caminha na calçada coberta pela sombra das Tipuanas e Jacarandás, já sem flores, enquanto observa platibandas, janelas de madeira antiga, portões ferro ricamente trabalhados e as rotinas festivas nas casas que permitem a intromissão dos olhares vindos da rua. Bisbilhotar o natal alheio desperta uma inédita saudade do apartamento onde cresceu,  em São Paulo. O fato de ter se desvinculado da família o libertara das obrigações corriqueiras ligadas à data – viagens cansativas para a reunião com a tia de comentários ácidos; as compras que consomem um recurso vultuoso, melhor aplicado se direcionado a uma creche da periferia ou projeto de reciclagem; a preocupação com o preparo da ceia e uma mesa capaz de impressionar os convidados; emoções exacerbadas depois do terceiro ou quarto cálice de espumante rosado. Caio estava tão protegido desses desgastes como exposto à total falta de rumo.
Agora que começara a deixar a fase de viciado em trabalho para trás, não cogitava passar a véspera de natal no escritório, incorporando no projeto em que trabalhava sozinho, os insights que tivera no sebo do Bom Fim e durante a conversa com a velhinha que virou mochileira depois de enviuvar. Também não dispunha de tranquilidade suficiente para sentar-se na varanda do apartamento e ler o volume da edição original de Morangos Mofados que encontrara junto de outras preciosidades desejadas havia tempos - Orlando na edição da Horgarth Press, e Noite, de Érico Veríssimo.
O trânsito calmo fazia Porto Alegre parecer a cidade que Caio conhecera anos atrás. O arquiteto caminhava a esmo, volta e meia conferindo no smartphone os e-mails protocolares enviados por empresas fornecedoras e clientes; apenas um de cunho pessoal – a amiga Renata, agora morando no Rio, parecia excitada com a perspectiva de passar o Reveillon com alguém que conhecera há pouco; desejava ao amigo de infância que parasse de pensar tanto e pudesse rir um pouco mais e  convidava para visita-la, aproveitariam a praia e um bom tanto de ócio. Mesmo sem inspiração para responder na hora, Caio sentiu as palavras da engenheira soprarem ânimo em seus passos.
Com vontade de percorrer caminhos mais largos, Caio aproveitou a disponibilidade de bicicletas nas estações do BikePoa e buscou trajetos aleatórios, divertindo-se com o vento produzido em seu deslocamento. Queria apenas se cansar, ver a agitação alheia ir arrefecendo junto com a tarde.  

Antes de comer as porções servidas em requintadas peças de porcelana sem prestar mais atenção ao sabor do que às imagens que corriam na tela do tablet ou da televisão (sintonizada na BBC e com a tecla mute a tivada), Caio escancarou as janelas, desejou que chovesse e fez promessas de revolução para a própria vida.