segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Novos projetos



O calor persiste o bastante para que Caio contrarie seus hábitos - o que tem acontecido com frequencia crescente nos últimos tempos - e consuma praticamente todo o final de semana dentro do apartamento com o ar condicionado esforçando-se para simular uma temperatura tolerável. No domingo ainda acordou cedo na expectativa de poder pedalar pelas ruas do bairro antes que o sol devorasse o asfalto e os paralelepípedos deixando um bafo queimante no ar, mas as oito da manhã o calor já o empurrava de volta ao isolamento térmico. 
Aproveitou para trabalhar em casa e hoje cedo estava com a parte criativa do trabalho concluída. Na quinta-feira a equipe bem preparada do escritório começaria a preparar as plantas em 3D, os cortes e vistas necessários para a execução. Nessa fase o seu envolvimento era menor, apenas na execução voltaria a exercitar seu olhar clínico para detectar desvios. Depois haveria a visita do moço de Londres e então algo completamente diferente. Por hoje, no entanto, isso não tinha muito importância. Apesar da  usual indiferença com datas como natal e ano novo, dessa vez estava decidido a algum tipo de ritual que o empurrasse na direção das mudanças que esperava, mesmo sem saber exatamente quais seriam. 
Não pensava em sete ondinhas na praia, lentilhas ou oferendas à Iemanjá, mas a ideia de aproximar-se da água pareceu-lhe apropriada. 
Passear de barco pelo Guaíba foi o ritual particular de Caio, não no último dia do ano, mas no penúltimo. Não sozinho, como desejaria, mas num dos barcos abarrotados de gaúchos ufanistas que glorificam a paisagem da capital vista desde o Lago. 
Não repetiu mantras, nenhuma oração, nenhum pensamento objetivo. Deixou-se levar, gostando do farfalhar da água contra o casco da embarcação, contente com a convicção de que era apenas mais uma segunda-feira como qualquer outra e ao mesmo tempo a última segunda-feira em que ainda se mantinha preso àquela etapa da vida. Na próxima semana estaria no Rio de Janeiro e na próximo em um lugar ainda não decidido. Por um ano inteiro Caio voltaria a viver sem planos, sem premeditação. Levaria material de desenho e a satisfação de caminhar, além da renda que o escritório continuaria propiciando, certamente em menor proporção que agora, mas em suficiente medida para que não deixasse os dias soterrarem-no pela repetição. Desembarcou desejando que logo os projetos de saneamento pudessem amenizar a contaminação do Guaíba. 

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