sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

A Escolha do Gerente de RH

A semana se passou com ocorrências interessantes. Conheci três candidatos jovens (19, 21 e 22 anos) à vaga de vendedor da Hyper Books. Eles se apresentaram bem vestidos em demasia para a vaga. Isto denota algum tipo de preocupação com a aparência com maior vigor que em jovens normais. É uma boa coisa. Candidatos diferentes.

Eles falavam adequadamente, mas rápido, na sala do Gerente de RH, que preferiu a entrevista coletiva na minha sala privativa. Inicialmente a decoração metálico-negro do escritório causa impacto suficiente para deixar as pessoas admiradas e absortas pela falta de vida da sala. É um ambiente que tem o intuito de ser sinistro, mas leve. Apenas quando se presta atenção ao contraste do brilhoso prata com o metálico é que dá a sensação de armadilha.

Voltando à fala, eles pareciam bem educados, provavelmente jovens que queriam demonstrar ter habilidade para trabalhar em empregos nos quais são qualificados demais. Provavelmente para enfrentar os pais burgueses que preferiam que seus filhos fossem médicos, engenheiros e advogados renomados. Já fui assim, eu sei como é.

Inicialmente eu faria o papel de misterioso, contudo, ao observar a fala dos jovens, resolvi ser curioso e perguntar sobre suas vidas, suas leituras e viagens.

O sujeito de 22 anos, com voz de tenor informa que viajou bastante no Brasil, mas que recusou viagens aos exterior por convicções políticas. Interessante. Este seria excelente se fosse apaixonado pela empresa, mas daria problemas se precisasse fazer algo com o qual não concordasse. Ou seja, não é adequado. Imagina que eu peça a ele que ofereça um livro que pretendo promover que vai de encontro aos seus ideais! Ele não faria.

O sujeito de 19 anos, barítono e lacônico. Respondia apenas àquilo que eu questionava objetiva e o olhava. Este é adequado hierarquicamente, mas deve ser péssimo em vendas, mesmo que leia muito, falta-lhe a habilidade de dissertar sobre o que lê ou colocar em prática toda a literatura sobre lógica discorre devorar. E diz isto em duas frases simples.

O sujeito final, 21 anos, era sorridente, visualmente adequado - magro, marcas de olheira e óculos. Contudo ele jogava mais do que lia, mas lia bastante blogs, interessava-se pelas opiniões de colunistas e lembrava de seus nomes e semana de publicação das colunas. Finalmente alguém capaz de ler ideias alheias e lembrar do momento de sua publicação. Excelente para a sessão de periódicos. Pena que a vaga esta ocupada, e o sujeito lembra de datas específicas de acontecimentos históricos e é um gênio na citação de best-sellers.

Informei a todos que seus currículos seriam analisados e suas respostas confrontadas com a vaga de vendedor. Que lhes enviaria o resultado até a quarta-feira. Era segunda-feira.

Quando eles saíram, eu percebi que o sujeito de 22 anos tinha um encurtamento de uma das pernas. O que o fazia mancar. Enfim, alguém pra vaga pra deficiente que leia e disfarce tão bem sua deficiência quando parado. Ele é apaixonado político - provavelmente anarquista - o que o faz suscetível a aceitação pelos outros. Eles irá me dever se eu o escolher e terei de deixar isto claro. Além do mais, se ele me causar problemas, as recusas a qualquer ordem contarão para uma justa-causa, se necessário. Excelente.

Mandei e-mail para ele 15 minutos depois que cruzaram a porta. Convoquei para que ele aparecesse na quarta-feira pela manhã, 15h.

Hoje, sexta-feira, eu o apresentei à equipe e fiz seu treinamento pessoalmente, medindo cada ação que ele emitia em concordância ou discordância. Ele precisa ter um treino intensivo pra disfarçar a discordância quanto à propaganda das capas em evidência na semana. Será um treino pra mim mesmo treinar um anarquista.

Estes jovens odiosamente apaixonados pelo utópico me dão asco, mas controláveis quando bem treinados. Diferente dos já assumidamente capitalistas. Estes disfarçam tão bem que até eu mesmo posso ser enganado por eles.

Final da tarde. O expediente se encerra. Esta na hora do meu uísque. Cobrarei uma parcela da dívida  da Inara que, embriagada, poderá me dar o feedback do que os funcionários acharam da escolha.

Victor Eras.

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