segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Ligações Improváveis

Foto de Croquezz
Quando Caio atendeu o telefone, cordial e disposto a agendar o encontro mesmo que já tivesse antes decidido que não abriria o escritório no período entre natal e ano novo, arrependeu-se imediatamente de ter solicitado reuniões presenciais com membros da equipe local. No fundo talvez não fosse fazer muita diferença ouvir os anseios de algum empregado da organização a menos que fosse alguém destacado para trabalhar na cidade, mas como recém haviam contratado o espaço no shopping para iniciar a montagem, provavelmente só poderia conversar mesmo com membros de outras regiões.

Antes de retornar ao Brasil, sem ter refeito os percursos que imaginava querer relembrar, o arquiteto conheceu a maior das lojas de Londres e a filial do Porto, que lhe surpreendeu pela extravagância de ter sido montada com um layout que representava as iniciais da marca. Ver aquilo o confortou, por um lado, significava que talvez a margem para criação fosse até maior do que imaginava. Por outro lado, se o tal gerentão que conheceu em Londres tinha gostado daquele projeto, certamente não gostaria do que ele estava planejando.

O gerente de logística da rede foi quem ligou, pessoalmente. O fato de ter dispensado as formalidades de uma secretária para intermediar o encontro fez com que Caio perguntasse se ele já conhecia a cidade, se precisava de indicações para hospedagem e até a convidá-lo para jantar. Arrependeu-se um pouco pelo excesso de atenções, pois não tinha ideia se simpatizaria com o sujeito. De toda sorte, poderia levantar as informações fundamentais para tocar o projeto.

O jovem gerente da logística se apresentou como Cacá, assim sem nenhuma cerimônia. Caio estranhou, mas supôs que a competência do rapaz era suficiente para não precisar de outros artifícios que impusessem respeito. Enquanto combinavam os detalhes da reunião que deveria acontecer depois do dia 26, pareciam amigos de tempos.

- Minha mãe era bibliotecária, talvez por isso tenha me empolgado em projetar uma livraria.
- Que bacana. Ela certamente vai gostar de fazer compras na loja que o filho planejou.
- Não poderia. Mesmo que ainda fosse viva, não morava aqui. Eu não sou gaúcho, vim de São Paulo há muitos anos.
- Ahn. Desculpe.
- Sem problemas. Quando tiver definido os detalhes da viagem, voltamos a nos falar.

Despediram-se sem preocupações com o pequeno incidente da conversa. Caio não anotou na sua agenda de qual filial ele vinha, tampouco se viria sozinho ou com mais alguém da equipe. Andava disperso e continuava sem entender porque se empenhara para ganhar aquele contrato justo no momento em que estava praticamente decidido a deixar a profissão de lado, ao menos até decifrar as inquietações que surgiram naqueles dias de longas caminhadas na praia, quando a cena do pescador consertando sua rede suscitaram uma inveja febril em Caio.

Era noite já quando resolveu andar pelas ruas do centro para se livrar do ar abafado que reinava no apartamento e nas ruas aristocráticas do bairro onde morava. Ao passar pela vitrine da pequena livraria de rua, questionou-se se Vilma teria mesmo orgulho de um projeto no estilo que faria. Talvez ela preferisse essas pequenas lojas de rua onde os compradores, os vendedores e os livros se conheciam todos.

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