domingo, 29 de dezembro de 2013

Dos parques e da vida

É interessante como, em meio a toda confusão cinza de Brasília exista um lugar tranquilo, durante a semana, como o Parque Rural. Victor pensava e admirava a paisagem. Hábito que ele pensava ser de prioridade idosa, mas havia aprendido a observar mudanças e diferenças nos padrões. Como em quase tudo, ele se orgulhava disto.

Apesar do Parque não conter árvores como nos Bosques de Belém do Pará - recorrente lugar na sua adolescência – o aspecto único com uma leve brisa menos árida que o restante da cidade fazia Victor refletir.

Ele conseguia se concentrar, sem fechar os olhos, sentado e ouvindo insetos, farfalhar das folhas, crianças gargalhando, e um pouco mais distante o burburinho humano próximo à água. Quando se concentrava mais ainda, podia sentir sua pulsação, o vento tocando seu rosto de leve. Eu faço parte do ambiente e para alguém eu também sou o ambiente. Depende de ponto de vista.

Com seu cruzar de pernas habitual, um livro na mão e uma face séria constantemente verificada pelo seu exercício de auto-percepção, Victor olhava curioso para as pessoas. Sério. Odiava pessoas que pareciam descomprometidas com tudo. Olhares cansados o chateavam muito. Como em clientes esperando vendedores. Ensinou várias vezes seus empregados a identificar o início disto. Pois quando a feição aparece, já não há muito o que fazer. O importante era identificar o início. O bater dos dedos nas prateleiras, o trocar de apoio ora num pé ora em outro, o início do franzir do cenho. Mas no parque não era assim. Aparentemente um contrato social implícito lembrava as pessoas que ali era um lugar de fornecimento de alegria e descontração.

Fazia dois meses que ele não ia a este parque. Sempre ocupado ele se desligou das tentativas de escrita no sábado apenas verificando as malas e separando o que pretendia levar para o lugar nunca antes visitado. Ele tinha decidido na manhã de ontem. Ao escovar os dentes para ir a Hyper Books. Ele se viu pensava em desistir da viagem à Europa.
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      "Pai, pai, ela mexeu comigo. Briga com ela?”

Uma criança disse ao longe e instantaneamente chamou atenção de Victor. Pai. Fazia tempo que ele não falava com o seu. Tempo em demasia. O pai dele admitia estes distanciamentos ocasionais, principalmente sabendo que o final de ano do filho é corrido como gerente, e de uma livraria multinacional. Seu pai dizia sentir orgulho, ainda mais ao saber das histórias dos livros que ele contava e indicava ao pai quando se falavam por telefone. Seu pai mora em Porto Alegre. Que também tem parques excelentes, e o clima é muito melhor. Mas árvore e parque já servem o suficiente para reflexões. Lembranças do pai lhe vinham a partir da fala da pequena criança e não havia mais zumbido, batidas cardíacas ou farfalhar. Eram memórias. E só.

Era um domingo produtivo, do ponto de vista de um treino para autocontrole. Mas Victor ainda se sentia vazio, como se precisasse ler muito mais, observar muito mais para poder compreender o mundo. E provavelmente era isto. Ele nunca estava satisfeito consigo mesmo a ponto de parar de se atualizar, ler ou observar. Os parques eram fundamentais em sua vida. E a Hyper Books a pedra de fundação. Lá ele poderia observar a rotina, controlar a rotina e modelar as pessoas, ou pelo menos suas ações. Ou parte delas. A livraria era seu laboratório diário. Os parques eram quadros, ele não poderia interferir, mas o levavam a outra dimensão.


O domingo foi se acabando. O entardecer alaranjado e seco, além de quente, fez com que ele se desse conta do quanto havia ficado ali refletindo e ouvindo. Parte perdido no ambiente, parte perdido em si. Ou se encontrando, como ele gostava de pensar.

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